Mostrar mensagens com a etiqueta Imprensa Cristã. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Imprensa Cristã. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

A GUERRA CONTRA O PAPA FRANCISCO


O Papa Francisco é actualmente um dos homens mais odiados do mundo. E quem mais o odeia não são ateus, protestantes ou muçulmanos, mas alguns dos seus próprios seguidores. Fora da Igreja goza de grande popularidade, afirmando-se como uma figura de uma modéstia e uma humildade quase ostensivas. Desde o momento em que o cardeal Jorge Bergoglio se tornou Papa em 2013, os seus gestos prenderam a atenção do mundo: o novo Papa guiou um Fiat, transportou as próprias malas e pagou a conta em hotéis; sobre os homossexuais, perguntou: “Quem sou eu para julgar?”, e lavou os pés de refugiadas muçulmanas.
Dentro da Igreja, porém, Francisco tem desencadeado uma reacção feroz por parte dos mais conservadores, que temem que este novo espírito divida a Igreja ou até que a destrua. Este Verão, um proeminente clérigo inglês disse-me: “Mal podemos esperar que ele morra. É impublicável o que dizemos dele em privado. Sempre que dois padres se encontram, falam sobre o quão horrível Bergoglio é… ele é como Calígula: se tivesse um cavalo, fazia dele cardeal.” Claro que após dez minutos de repetidas críticas, acrescentou: “Não pode publicar nada disto, senão serei despedido.”
Esta mistura de ódio e temor é frequente entre os adversários do Papa. Francisco, o primeiro Papa não europeu dos tempos modernos e o primeiro Papa jesuíta da História, foi eleito como um outsider dos poderes instituídos do Vaticano e era esperado que fizesse inimigos. Mas ninguém previu que fizesse assim tantos. Desde a sua rápida renúncia à pompa do Vaticano, que marcou desde logo a diferença na relação com os mais de três mil empregados civis do Vaticano, ao seu apoio aos migrantes, às suas críticas ao capitalismo global e, acima de tudo, à sua intenção de reexaminar as posições da Igreja relativamente ao sexo, o Papa tem vindo a escandalizar os reaccionários e os conservadores. A julgar pelos números das votações do último encontro mundial de bispos, quase um quarto do Colégio dos Cardeais — o mais alto organismo da organização clerical — está convencido de que o Papa se está a aproximar da heresia.
A questão crítica prende-se com a sua visão sobre o divórcio. Num corte com séculos, senão milénios, de doutrina católica, o Papa Francisco tem tentado encorajar os padres católicos a darem a comunhão a alguns casais divorciados ou casados em segundas núpcias e a famílias cujos pais não são casados. Os seus inimigos estão a tentar forçá-lo a abandonar essa ideia. Como ele se tem mantido firme e mostrado uma sóbria perseverança face ao crescente descontentamento, começam agora a preparar-se para a guerra. No ano passado, um cardeal, com o apoio de alguns colegas já aposentados, levantou a possibilidade de uma declaração formal de heresia — a rejeição intencional de uma doutrina estabelecida da Igreja, pecado punível com a excomunhão. Em Setembro, 62 católicos descontentes, nos quais se incluem um bispo já retirado e um antigo director do Banco do Vaticano, publicaram uma carta aberta em que apontam a Francisco sete acusações específicas de ensinamentos heréticos.
Acusar um Papa em funções de heresia é o equivalente católico à opção nuclear. A doutrina afirma que o Papa não pode estar errado quando se pronuncia sobre questões centrais da fé; portanto, se está errado, não pode ser Papa. Por outro lado, se este Papa está certo, todos os seus antecessores têm de ter estado errados.
A discussão está particularmente envenenada porque assenta quase na totalidade em bases teóricas. Na prática, em quase todo o mundo, os casais que se divorciam e voltam a casar têm acesso à comunhão. O Papa Francisco não está a propor numa revolução, apenas o reconhecimento institucional de um sistema que já existe e que pode até ser essencial para a sobrevivência da Igreja. Se as regras fossem aplicadas à letra, nenhuma pessoa cujo casamento tivesse falhado poderia voltar a ter relações sexuais. Essa não é uma boa maneira de assegurar a existência de gerações futuras de católicos.
Mas, para os seus detractores, as reformas cautelosas de Francisco põem em causa a crença de que as verdades da Igreja são intemporais. Porque se não são, perguntam os conservadores, então qual o seu valor? A batalha sobre o divórcio e os novos casamentos põe em confronto duas ideias profundamente opostas sobre o papel da Igreja. A insígnia do Papa são duas chaves cruzadas, que representam as que Jesus terá supostamente dado a S. Pedro, e que simbolizam os poderes de unir e separar, ou seja, proclamar o que é pecado e o que é permitido. Mas qual dos poderes é hoje mais importante e mais urgente?

A hipótese de um cisma

A crise actual é a mais séria desde que as reformas liberais dos anos 1960 fizeram com que um grupo dissidente de conservadores da “linha dura” abandonasse a Igreja (o seu líder, o arcebispo francês Marcel Lefebvre, viria mais tarde a ser excomungado). Nos últimos anos, escritores conservadores têm repetidamente levantado a hipótese de um cisma. Em 2015, o jornalista americano Ross Douhat, um convertido ao catolicismo, escreveu um artigo para a revista Atlantic intitulado “Irá o Papa Francisco destruir a Igreja?”; num blogue na Spectator, o tradicionalista inglês Damian Thompson afirmou peremptoriamente que “o Papa Francisco está em guerra com o Vaticano. Se sair vencedor, a Igreja poderá desmoronar-se”. Segundo um arcebispo do Cazaquistão, as posições do Papa relativamente ao divórcio e à homossexualidade permitiram que o “fumo de Satã” envolvesse a Igreja.
A Igreja Católica passou grande parte do último século a lutar contra a revolução sexual, tal como havia lutado antes contra as revoluções democráticas do século XIX, e essa luta levou-a a ter de defender uma doutrina insustentável, pela qual toda a contracepção artificial é proibida, bem como qualquer relação sexual fora de um casamento eterno. Como o Papa Francisco reconhece, não é assim que as pessoas agem normalmente. E o clero também o sabe, mas é esperado que finja que não. Ou seja, a doutrina oficial não pode ser questionada, mas também não pode ser cumprida. Um dos lados terá de ceder e, quando tal acontecer, a explosão resultante poderá fracturar a Igreja.
Não deixa de ser curioso que os frequentes choques e ódios dentro da Igreja — resultantes das posições sobre as alterações climáticas, as migrações ou o capitalismo — tenham chegado a um ponto de não retorno numa enorme batalha sobre as implicações de uma única nota de rodapé de um texto intitulado “A Alegria do Amor” (ou, no original latim, Amoris Laetitia). A exortação, escrita por Francisco, é um sumário do debate corrente sobre a questão do divórcio e numa nota de rodapé o autor faz aparentemente uma leve afirmação de que os casais divorciados e que voltem a casar poderão eventualmente receber a comunhão.
Com mais de mil milhões de fiéis, a Igreja Católica é a maior organização global que o mundo alguma vez viu, e muitos dos seus seguidores são divorciados ou pais solteiros. Para realizar o seu trabalho por todo o mundo, a Igreja depende de trabalho voluntário, ou seja, se os comuns fiéis deixarem de acreditar no que estão a fazer, todo o sistema colapsa. Francisco sabe disso. Se não for capaz de conciliar teoria e prática, a Igreja pode assistir a uma debandada. Os seus oponentes também defendem que a Igreja enfrenta uma crise, mas a sua solução é a contrária. Para eles, a distância ente teoria e prática é exactamente o que dá valor e sentido à Igreja. Se tudo o que a Igreja tiver para oferecer for algo de que as pessoas não sentem necessidade de procurar, dizem os que se opõem a Francisco, então irá seguramente colapsar.

Liberais e conservadores: uma definição falaciosa

Ninguém previu este confronto quando Francisco foi eleito em 2013. Uma das razões da sua escolha foi precisamente o objectivo de solucionar a rígida burocracia do Vaticano, tarefa há muito adiada. O cardeal Bergoglio, de Buenos Aires, foi eleito como um relativo outsider, o que à partida facilitaria a eliminação de algumas das forças de bloqueio comuns ao âmago da Igreja. Mas essa missão entrou rapidamente em rota de colisão com uma fractura ainda mais acrimoniosa dentro da Igreja, que é geralmente descrita como a batalha entre os “liberais”, como Francisco, e os “conservadores”, dos quais fazem parte os seus adversários. Contudo, essa é uma definição equívoca e falaciosa.
A disputa central põe em confronto os católicos que acreditam que a Igreja deve liderar a agenda do mundo e os que, por outro lado, defendem que são as circunstâncias mundiais que devem definir as posições da Igreja. Essas são, porém, as posições idealistas: no mundo real, qualquer católico será uma mistura dessas duas orientações, tendo, na maior parte dos casos, a predominância de uma delas.
Francisco é um puro exemplo de um católico extrovertido, ou “virado para fora”, especialmente se comparado com os seus antecessores imediatos. Os seus oponentes são os introvertidos. Para muitos, a primeira coisa que os atraiu na Igreja foi exactamente a sua distância relativamente às preocupações mundanas. Um número surpreendente dos mais proeminentes introvertidos são protestantes americanos convertidos, alguns impulsionados pela superficialidade dos recursos intelectuais com que foram educados, mas muito mais por um sentimento de que o enfraquecimento do protestantismo liberal se deve precisamente ao facto de ter deixado de ser uma alternativa à sociedade que o rodeia. Querem mistério e fervor, não senso comum estéril e sabedoria convencional. Nenhuma religião pode florescer sem tal impulso.
Mas também nenhuma religião global se pode contrapor totalmente ao mundo em que se encontra inserida. No início dos anos 1960, um encontro que durou três anos entre bispos de todos os quadrantes da Igreja, que ficou conhecido como o Segundo Concílio do Vaticano, ou Vaticano II, “abriu as janelas para o mundo”, nas palavras do Papa João XXIII, que o convocou, mas que morreu antes da sua conclusão.
O concílio renunciou ao anti-semitismo, abraçou a democracia, proclamou direitos humanos universais e aboliu, em larga escala, a missa em latim. Esta última medida, em particular, chocou os introvertidos. O escritor Evelyn Waugh, por exemplo, recusou-se a partir desse momento a participar numa missa em inglês. Para homens como ele, os rituais solenes de um serviço religioso realizado por um padre de costas para a congregação, falando inteiramente em latim e encarando Deus no altar, eram o próprio coração da Igreja — uma janela para a eternidade reencenada a cada representação. O ritual tinha uma posição central na Igreja, de uma forma ou de outra, desde a sua fundação.
Simbolicamente, a mudança provocada pela nova liturgia — a troca do padre introvertido que encarava Deus no altar pela figura extrovertida virada para a congregação — foi imensa. Alguns conservadores ainda hoje não se reconciliaram com a reorientação, entre os quais, o cardeal guineense Robert Sarah, que tem sido apontado pelos introvertidos como possível sucessor de Francisco, e o cardeal americano Raymond Burke, que tem emergido como o mais veemente opositor público de Francisco. Nas palavras da jornalista católica inglesa Margaret Hebblethwaite, uma fervorosa apoiante do Papa Francisco, a crise actual é nada menos que “o regresso do Vaticano II”.
“Devemos ser inclusivos e acolher tudo o que é humano”, afirmou Sarah num encontro no Vaticano no ano passado, numa condenação das propostas de Francisco, “mas o que vem do inimigo não pode nem deve ser assimilado. Não podemos seguir Cristo e Belial! As ideologias ocidentais da homossexualidade e do aborto e o extremismo islâmico representam nos dias de hoje o que o nazismo, o fascismo e o comunismo representaram no século XX”.

Ressurgimento pentecostal

Nos anos imediatamente a seguir ao concílio, freiras deitaram fora os seus hábitos, padres descobriram as mulheres (mais de cem mil deixaram o sacerdócio para se casarem) e teólogos livraram-se das correntes da ortodoxia introvertida. Após 150 anos de resistência e de rejeição do mundo exterior, a Igreja deu por si completamente envolvida por esse mundo, até ao ponto em que os introvertidos temeram que o edifício estivesse em risco de se desmoronar.
A afluência às igrejas caiu a pique no mundo ocidental, tal como aconteceu noutras denominações. Nos Estados Unidos, 55% dos católicos iam regularmente à missa em 1965; em 2000, esse número era de apenas 22% [em Portugal, segundo dados do Vaticano, em 2015, existiam 9,183 milhões de católicos numa população de 10,34 milhões de pessoas, correspondendo a uma percentagem de 88,7%, mais quatro décimas do que em 2010]. Em 1965, foram baptizados um milhão e trezentos mil bebés nos EUA; em 2016, apenas 670 mil. Se esta tendência é ou não fruto de uma relação causa/efeito, é algo que continua a ser ferozmente discutido. Os introvertidos põem a culpa no abandono das verdades universais e das práticas tradicionais; os extrovertidos acham que as mudanças na Igreja não foram suficientes ou suficientemente rápidas.
Em 1966, um comité papal de 69 membros, no qual se incluíam sete cardeais e 13 médicos, bem como laicos e até algumas mulheres, votou esmagadoramente a favor do levantamento da proibição do uso de contracepção artificial, mas o Papa Paulo VI revogou a votação em 1968. Não podia admitir que os seus predecessores estivessem errados e os protestantes certos. Para uma inteira geração de católicos, esta disputa passou a simbolizar a resistência da Igreja à mudança. Nos países em desenvolvimento, a Igreja Católica foi em grande parte ultrapassada por um ressurgimento pentecostal, que oferecia tanto a encenação como estatuto para os laicos e para as mulheres.
Os introvertidos tiveram a sua vingança aquando da eleição do Papa (agora Santo Papa) João Paulo II, em 1978. A sua Igreja polaca era caracterizada pela oposição ao mundo exterior e aos seus líderes desde que os nazis e os comunistas dividiram o país em 1939. João Paulo II era um homem impressionante, dotado de uma tremenda energia e força de vontade. Era também profundamente conservador em questões de moralidade sexual e, enquanto cardeal, tinha apresentado a justificação intelectual para a proibição do controlo de natalidade. Desde o momento da sua eleição que começou a moldar a Igreja à sua imagem. Mesmo que não conseguisse imprimir-lhe o seu dinamismo e vontade, parecia que iria conseguir purgá-la da extroversão e uma vez mais estancar as correntes do mundo secular.
Ross Douthat, jornalista católico, foi das poucas pessoas do lado dos introvertidos a disponibilizarem-se a falar abertamente sobre o conflito actual. Na sua juventude foi um dos convertidos atraídos para a Igreja de João Paulo II. Afirma hoje que “a Igreja pode ser uma barafunda, mas o importante é que o centro seja sólido e tudo pode ser reconstruído a partir do centro. Ser católico é ter a garantia da continuidade no centro e com isso a esperança do restabelecimento da ordem católica”.
João Paulo II teve o cuidado de nunca repudiar as palavras do Vaticano II, mas fez o possível para as esvaziar do seu espírito extrovertido. Começou por impor uma disciplina férrea ao clero e aos teólogos. Tentou também tornar o mais difícil possível a renúncia dos padres para poderem casar. A sua aliada nesse objectivo foi a Congregação para a Doutrina da Fé, ou CDF, antes conhecida como o Santo Ofício. Institucionalmente, a CDF é a mais introvertida de todos os “ministérios” do Vaticano (ou “dicastérios”, como são conhecidos desde o tempo do Império Romano; é um detalhe que sugere o peso da inércia e da experiência institucional — se o nome era bom para Constantino, porquê mudá-lo?).
Para a CDF, é axiomático que o papel da Igreja é ensinar o mundo, não aprender com ele. Tem uma longa tradição de punir teólogos que discordam: houve casos de proibição de publicações e de despedimentos de universidades.
Ainda no início do pontificado de João Paulo II, a CDF publicou Donum Veritatis(“O Dom da Verdade”), documento que explica que todos os católicos devem praticar a “submissão da vontade e do intelecto” aos ensinamentos do Papa, mesmo que não sejam infalíveis; e que os teólogos, mesmo que possam estar em desacordo e manifestá-lo aos seus superiores, nunca o devem fazer em público. Estas palavras foram usadas como ameaça, às vezes até como arma, contra qualquer pessoa suspeita de dissidência liberal. Francisco, contudo, virou estes poderes contra os que tinham sido os seus maiores defensores. Os padres, os bispos e até os cardeais estão ao serviço do Papa e podem ser demitidos a qualquer momento. Sob Francisco, os conservadores aprenderam essa lição: pelo menos três teólogos foram demitidos da CDF. Os jesuítas exigem disciplina.

Cardeal Burke & Steve Bannon

Em 2013, pouco tempo após a sua eleição e quando estava ainda num estado de quase universal aclamação pela ousadia e simplicidade dos seus gestos — tinha-se mudado para um par de singelos quartos no Vaticano, por oposição aos sumptuosos apartamentos do Estado usado pelos seus antecessores —, Francisco expurgou uma pequena ordem religiosa que se devotava à prática da missa tridentina, dita em latim.
Os Frades Franciscanos da Imaculada, grupo com cerca de 600 membros, homens e mulheres, já tinham sido colocados sob investigação por uma comissão em Junho de 2012, no papado de Bento XVI. Eram acusados de combinar uma cada vez mais extremista política de direita com a devoção à missa tridentina. (Esta combinação, que surge frequentemente associada a declarações de ódio ao “liberalismo”, tinha vindo também a espalhar-se online nos EUA e no Reino Unido, como é exemplo o blogue do Daily Telegraph Holy Smoke, editado por Damian Thompson.)
Quando a comissão apresentou as suas descobertas em 2013, a reacção de Francisco chocou os conservadores. Proibiu os frades de usarem a missa tridentina em público e fechou o seu seminário. Continuaram a poder formar novos padres, mas não segregados do resto da igreja. Mais, tomou estas decisões directamente, sem passar pelo sistema judicial interno do Vaticano, à altura dirigido pelo cardeal Burke. No ano seguinte, Francisco demitiu Burke do seu poderoso cargo no sistema judicial do Vaticano. Nesse momento, ganhou um inimigo implacável.
Burke, um americano robusto dado a vestes bordadas a renda e, em ocasiões formais, a uma capa de cerimónias escarlate tão comprida que precisa de ser carregada por pajens, era um dos mais conspícuos reaccionários do Vaticano. Em modos e em doutrina, representa uma longa tradição de pesos-pesados americanos do poder do catolicismo de etnia branca. A hierática, patriarcal e conflituosa igreja da missa tridentina é o seu ideal, e ao qual parecia que a Igreja estava lentamente a voltar sob o comando de João Paulo II e Bento VXI — até que Francisco começou o seu trabalho.
A combinação de anticomunismo, orgulho étnico e ódio ao feminismo do cardeal Burke inspirou uma série de proeminentes figuras laicas de direita nos Estados Unidos, de Pat Buchanan a Bill O’Reilly e a Steve Bannon, bem como outros intelectuais católicos menos famosos, como Michael Novak, que têm batalhado incansavelmente a favor das guerras americanas no Médio Oriente e da perspectiva republicana sobre os mercados livres.
Foi o cardeal Burke quem em 2014 convidou Bannon, já na altura a mente por trás do Breitbart News, a dirigir-se a uma conferência no Vaticano via vídeo emitido na Califórnia. O discurso de Bannon foi apocalíptico, incoerente e historicamente excêntrico. Mas não foi inocente o seu chamamento para uma guerra santa: a Segunda Guerra Mundial, afirmou, foi na realidade “o Ocidente judeu-cristão contra os ateus” e agora a civilização está “nas etapas iniciais de uma guerra global contra o fascismo islâmico… um conflito brutal e sangrento… que irá erradicar completamente tudo o que nos foi legado nos últimos 2000, 2500 anos… se as pessoas nesta sala, as pessoas da Igreja, não… lutarem pelas nossas crenças, contra esta nova barbaridade que está a surgir”.
Tudo nesse discurso é um anátema para Francisco. A sua primeira visita oficial fora de Roma, em 2013, foi à ilha de Lampedusa, que se tinha tornado o ponto de chegada de dezenas de milhares de desesperados migrantes vindos do Norte de África. Como ambos os seus antecessores, opõe-se firmemente às guerras no Médio Oriente, embora o Vaticano tenha apoiado relutantemente a extirpação do califado do Estado Islâmico. Opõe-se à pena de morte e despreza e condena o capitalismo americano: depois de marcar o seu apoio aos migrantes e aos homossexuais, a primeira grande declaração política do seu pontificado foi uma encíclica, dirigida a toda a Igreja, que condenava ferozmente o funcionamento dos mercados globais.
“Algumas pessoas continuam a defender teorias ‘conta-gotas’ [trickle-down, no original], que assumem que o crescimento económico, encorajado por um mercado livre, irá inevitavelmente resultar em maior justiça e inclusividade pelo mundo. Tal crença, que nunca foi sustentada pelos factos, exprime uma confiança arrogante e ingénua na bondade dos que exercem o poder económico e no funcionamento sacralizado do sistema económico prevalente. Entretanto, os excluídos continuam à espera.”
Acima de tudo, Francisco está do lado dos imigrantes — ou emigrantes, como ele os vê — expulsos de suas casas por um capitalismo infinitamente voraz e destrutivo, que pôs em marcha mudanças climáticas catastróficas. Nos Estados Unidos, esta é uma questão racializada e profundamente politizada. Os evangélicos que votaram em Donald Trump e no seu muro são esmagadoramente brancos, tal como as lideranças da Igreja Católica americana. Mas cerca de um terço dos laicos são hispânicos, proporção que está a aumentar. Em Setembro, Bannon afirmou, em entrevista ao 60 Minutes da CBS, que os bispos americanos eram favoráveis à imigração em massa apenas porque isso ajuda as suas congregações — embora isso vá mais longe do que até os bispos mais à direita seriam capazes de dizer publicamente.
Quando Trump anunciou pela primeira vez que iria construir um muro para impedir a entrada de imigrantes, Francisco esteve muito perto de negar que o então candidato pudesse ser cristão. Na visão de Francisco sobre as ameaças à família, os lavabos transgéneros não são o problema mais urgente, como alguns activistas “guerreiros” culturais querem fazer crer. O que destrói as famílias, escreveu, é um sistema económico que força milhões de famílias pobres a separarem-se na sua busca por trabalho.

Uma “torrente de corrupção”

Além de lidar com os praticantes da velha escola da missa tridentina em latim, Francisco deu início a uma ampla ofensiva contra a velha guarda no interior do Vaticano. Cinco dias após a sua eleição em 2013, convocou o cardeal hondurenho Óscar Rodríguez Maradiaga e comunicou-lhe que iria ser coordenador de um grupo de nove cardeais espalhados pelo globo cuja missão era limpar a casa. Foram todos escolhidos pela sua energia e pelo facto de terem estado, no passado, em conflito com o Vaticano. Foi uma medida popular em todo o lado, menos em Roma.
João Paulo II passou a última década da sua vida cada vez mais incapacitado pela doença de Parkinson, e a energia que lhe restava não era gasta em querelas burocráticas. A Cúria, nome por que é conhecida a organização burocrática do Vaticano, foi ganhando cada vez mais poder, estagnada e corrupta. Muito poucas medidas foram tomadas contra os bispos que protegeram os clérigos que abusaram de crianças. O Banco do Vaticano era tristemente célebre pelos serviços que oferecia para lavagem de dinheiro. Os processos de canonização — algo que João Paulo II fez a um ritmo sem precedentes — tinham-se tornado uma fraude extremamente cara: o jornalista italiano Gianluigi Nuzzi estimou que o preço de tabela de uma canonização andaria à volta dos 500 mil euros por auréola. As finanças do próprio Vaticano estavam uma desgraça e até Francisco fez referência a “uma torrente de corrupção” na Cúria.
O estado pútrido da Cúria era bem conhecido, mas nunca discutido em público. Ao fim de nove meses no cargo, Francisco disse a um grupo de freiras que “na Cúria também há pessoas virtuosas, a sério, há lá pessoas santas” — de tal maneira assumia que a sua audiência de freiras ficaria surpreendida por saber disso.
Afirmou que a Cúria “toma conta e cuida dos interesses do Vaticano, que são, na sua maior parte, interesses temporais. A visão ‘vaticanocêntrica’ negligencia o mundo à nossa volta. Eu não partilho dessa visão, e farei tudo o que estiver ao meu alcance para a mudar”. Declarou ainda ao jornal italiano La Repubblica: “Várias vezes os chefes da Igreja foram narcisistas, lisonjeados e empolgados pelos seus cortesãos. A corte é a lepra do papado.”
“O Papa nunca falou bem dos padres”, diz o padre que mal pode esperar que ele morra. “É um jesuíta anticlerical. Lembro-me bem dessas ideias nos anos 70. Costumavam dizer: ‘Não me chames padre, chama-me Manuel’ — esse tipo de parvoíces — e nós, o oprimido clero paroquial, sentimos que nos tiraram o chão.”
Em Dezembro de 2015, Francisco fez o seu tradicional discurso de Natal à Cúria e não poupou nas palavras: acusou-a de arrogância, de “Alzheimer espiritual”, de “hipocrisia típica dos medíocres e progressivo vazio espiritual que não pode ser preenchido com diplomas académicos”, bem como de vão materialismo e gosto pela bisbilhotice e maldizer — não é o tipo de coisa que se quer ouvir do chefe na festa de Natal da empresa.
Contudo, quatro anos decorridos sobre o início do seu papado, a resistência passiva do Vaticano parece estar a levar a melhor sobre a energia de Francisco. Em Fevereiro deste ano, apareceram da noite para o dia, nas ruas de Roma, posters que perguntavam: “Francisco, onde está a tua misericórdia?”, atacando-o pela maneira como tratou o cardeal Burke. Este episódio só pode ter sido obra de elementos descontentes do Vaticano, e é um sinal inequívoco de uma teimosa recusa em entregar poderes ou privilégios aos reformistas.

As igrejas do mundo ocidental estão cheias de divorciados

Esta batalha, porém, tem sido ofuscada, tal como todas as outras, pelas lutas internas relativamente à moralidade sexual. A disputa sobre o divórcio e os novos casamentos centra-se em dois factos. Primeiro, que a doutrina da Igreja Católica não mudou em quase dois milénios — o casamento é eterno e indissolúvel; isso é claro como água. Mas também o é o segundo facto: que os católicos se divorciam e voltam a casar aproximadamente ao mesmo ritmo que o resto da população e, quando o fazem, não vêem nada de imperdoável nisso. Portanto, as igrejas do mundo ocidental estão cheias de divorciados e de casais em segundas núpcias, que comungam com todos os outros, muito embora tanto eles como os seus padres saibam que tal não é permitido.
Os ricos e os poderosos têm desde sempre sabido explorar lacunas. Quando querem deixar uma esposa e voltar a casar, um bom advogado consegue sempre arranjar maneira de provar que o primeiro casamento foi um erro e não algo consumado no espírito que a Igreja exige, e assim haver razão para que seja apagado dos registos — ou, em jargão, anulado. Isto aplica-se especialmente a conservadores: Steve Bannon conseguiu divorciar-se de todas as três mulheres que teve, mas o exemplo contemporâneo mais escandaloso talvez seja o de Newt Gingrich, que liderou a conquista republicana do Congresso nos anos 1990 e que desde então se reinventou como aliado de Trump. Gingrich deixou a primeira mulher quando esta estava a ser tratada a um cancro e, enquanto estava casado com a segunda mulher, teve uma relação extraconjugal de oito anos com Callista Bisek, uma católica devota, antes de casar com ela pela Igreja — Callista foi a pessoa indicada para o cargo de nova embaixadora de Donald Trump no Vaticano.
A doutrina sobre o casamento após o divórcio não é a única maneira pela qual a doutrina sexual católica nega a realidade em que os laicos vivem, mas é a que causa mais danos. A proibição da contracepção é simplesmente ignorada por todos, em todos os sítios onde é legal. A hostilidade relativamente aos homossexuais é mitigada pelo facto geralmente reconhecido de que grande parte dos clérigos do mundo ocidental é gay e que alguns deles são bem-sucedidos celibatários. A rejeição do aborto não é um problema onde o aborto é legal e, de qualquer forma, não é uma questão particular da Igreja Católica. Mas a recusa em reconhecer segundos casamentos, a não ser que o casal faça votos de nunca ter relações sexuais, faz ressalvar o absurdo que é ter uma casta de homens celibatários a regulamentar a vida das mulheres.
Em 2015 e 2016, Francisco convocou duas grandes conferências (ou sínodos) de bispos de todo o mundo para discutir estes assuntos. Sabia que não conseguiria avançar sem um consenso alargado. Manteve-se em silêncio e encorajou os bispos a debaterem, mas rapidamente se tornou notório que era a favor de um considerável afrouxamento da disciplina à volta da comunhão após um segundo casamento. Dado que, de qualquer maneira, é isso que acontece na prática, torna-se difícil para quem está de fora entender o ardor que o assunto desperta.
“O que me interessa é a teoria”, diz o pároco inglês que confessa o seu ódio por Francisco. “Na minha paróquia há imensos divorciados e casais que voltaram a casar, mas muito deles, se soubessem que o primeiro cônjuge tinha morrido, iam a correr fazer um casamento na igreja. Conheço muitos homossexuais que fazem todo o tipo de coisas que são erradas, mas sabem que não deviam ser assim. Somos todos pecadores, mas temos de manter a integridade intelectual da fé católica.”
Com esta mentalidade, o facto de que o mundo rejeita a doutrina serve apenas para provar como está certa. “A Igreja Católica deve ser contracultura na ressaca da revolução sexual”, afirma Ross Douthat. “A Igreja Católica é o último lugar restante do mundo ocidental que defende que o divórcio é uma coisa má.”

Igreja como posto de primeiros socorros

Para Francisco e os seus apoiantes, tudo isso é irrelevante. Francisco diz que a Igreja deve ser um hospital ou um posto de primeiros socorros. As pessoas que se divorciaram não precisam que lhes digam que o divórcio é mau, precisam de recuperar e de refazer as suas vidas. A Igreja deve apoiá-las e mostrar misericórdia.
No primeiro sínodo, em 2015, esta era ainda uma visão minoritária. Foi preparado um documento liberal, que foi rejeitado pela maioria. Um ano depois, os conservadores estavam em clara minoria, mas a sua determinação era grande. O próprio Francisco escreveu um sumário das deliberações em “A Alegria do Amor”. É um documento longo, reflectivo e cuidadosamente ambíguo. A dinamite está escondida na nota 351 do capítulo 8 e assumiu uma imensa importância nas convulsões subsequentes.
A nota encontra-se anexada a uma passagem que vale a pena citar, tanto pelo que diz como pela maneira como o diz. O que diz é claro: algumas pessoas que vivem em segundos casamentos (ou em uniões de facto) “podem viver na graça de Deus, podem amar e podem também crescer na vida da graça e da caridade, e para tal podem receber a ajuda da Igreja”.
Mesmo a nota de rodapé, onde se lê que tais casais podem receber a comunhão se tiverem confessado os seus pecados, aborda o assunto com circunspecção: “Em certos casos, isto poderá incluir a ajuda dos sacramentos.” Consequentemente, “quero lembrar aos padres que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas antes um ponto de encontro com a misericórdia do Senhor”. E ainda: “Quero também salientar que a eucaristia não é um prémio para os perfeitos, mas um poderoso medicamento e alimento para os mais fracos.”
“Ao vermos tudo a preto e branco”, acrescenta Francisco, “às vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento.”
Foi esta pequena passagem que teve o condão de unir todas as revoltas contra a sua autoridade. Ninguém consultou os laicos para saber o que pensam sobre o assunto e, de qualquer forma, as suas opiniões não são do interesse do partido dos introvertidos. Mas, entre os bispos, entre um quarto e um terço estão a resistir passivamente à mudança, e uma pequena minoria está a fazê-lo activamente.
O líder dessa facção é o grande inimigo de Francisco, o cardeal Burke. Primeiro demitido do seu cargo no tribunal do Vaticano e depois da comissão litúrgica, acabou no conselho de supervisão da Ordem de Malta — um organismo de caridade administrado pelas antigas aristocracias católicas da Europa. No Outono de 2016, demitiu o director da Ordem por supostamente ter permitido que freiras distribuíssem preservativos na Birmânia, algo que as freiras fazem regularmente nos países em desenvolvimento para ajudar a proteger as mulheres vulneráveis. O director demitido apelou para o Papa.
O resultado foi que Francisco readmitiu a pessoa que havia sido demitida e designou outro responsável para assumir a maior parte dos deveres de Burke. A decisão foi um castigo por Burke ter falsamente afirmado que o Papa tinha estado do seu lado na querela original.
Entretanto, Burke tinha aberto uma nova frente de batalha, que chegou o mais perto possível de acusar o Papa de heresia. Juntamente com três outros cardeais, dois dos quais morreram desde então, Burke elaborou uma lista de quatro perguntas destinadas a estabelecer se Amoris Laetitia violava a doutrina anterior. A lista foi formalmente enviada a Francisco, que a ignorou. Após a sua demissão, Burke tornou as questões públicas e afirmou estar preparado para emitir uma declaração formal de que o Papa era herege se as respostas não fossem do seu agrado.
É óbvio que Amoris Laetitia representa um corte com a doutrina passada. É um exemplo da Igreja a aprender com a experiência. Mas isso é difícil de assimilar para os conservadores: historicamente, estas rupturas doutrinárias só aconteceram em períodos de convulsão e separadas por séculos. Esta chega 60 anos apenas após a última irrupção de extroversão, com o Vaticano II, e 16 anos depois de João Paulo II ter reiterado a velha linha dura.
“O que significa que um Papa contradiga um Papa anterior?”, pergunta Douthat. “É incrível o quão perto está Francisco de entrar em conflito com os seus antecessores imediatos. Foi só há 30 anos que João Paulo II estabeleceu em Veritatis Splendor a linha que Amoris Laetitia parece contradizer.”
O Papa Francisco está deliberadamente a contradizer um homem que ele próprio proclamou como santo. Isso não é um problema para ele. Mas o facto de ser mortal pode vir a ser. Quanto mais Francisco se afastar da linha dos seus antecessores, mais fácil será para o seu sucessor reverter a sua. Embora a doutrina católica vá naturalmente mudando, a sua força depende da ilusão de que tal não acontece. Os pés podem tremer sob a batina, mas a túnica nunca deve oscilar. Contudo, isso também significa que as mudanças que ocorreram podem ser revertidas sem nenhum movimento oficial. Foi assim que João Paulo II respondeu ao Vaticano II. Para garantir que as mudanças de Francisco perdurarão, a Igreja tem de as aceitar. E isso é uma questão que não será respondida no seu tempo de vida. Tem hoje 81 anos e apenas um pulmão. Os seus oponentes podem estar a rezar pela sua morte, mas ninguém pode saber se o seu sucessor tentará contradizê-lo — e o futuro da Igreja Católica paira agora sobre essa dúvida.

Brown, A. (2017). A guerra contra o Papa Francisco. In Jornal Publico. Acedido a 24/12/2017. Disponível em https://www.publico.pt/2017/12/24/sociedade/noticia/a-guerra-contra-o-papa-francisco-1796423?

Tradução: António Domingos.

sábado, 7 de outubro de 2017

QUANDO JOSEPH RAZTINGER ACEITOU A COMUNHÃO AOS DIVORCIADOS RECASADOS


En 1972, cinco años antes de ser creado cardenal y mientras enseñaba en Regensburg, se expresó en un ensayo académico en todos aperturistas. Ahora, en un volumen de su obra completa de próxima publicación en Alemania, decidió retirar esa propuesta.

En 1972, cuando faltaban menos de cinco años para su nombramiento episcopal y cardenalicio, cuando ya era miembro de la Comisión teológica internacional creada por Pablo VI, Joseph Ratzinger se expresó a favor de la admisión a la Eucaristía para los divorciados que se habían vuelto a casar, siempre y cuando su segunda unión fuera sólida, tuvieran obligaciones morales para con los hijos y cónyuges, y vivieran la experiencia de fe. La admisión habría debido darse primero por vía extrajudicial, con base en «el testimonio del párroco» y de los «miembros de la comunidad». Una solución que para Ratzinger se apoyaba en «la tradición».
El futuro Prefecto de la Congregación para la Doctrina de la Fe y futuro Papa escribió estas consideraciones en un ensayo académico (que se encuentra en las páginas 35-56 de una antología de reflexiones cristológicas titulada Zur Frage nach der Unauflöslichkeit der Ehe. Bemerkungen zum dogmengeschichtlichen Befund und zu seiner gegenwärtigen Bedeutung, en Ehe und Ehescheidung. Diskussion unter Christen, editado por F. Henrich y V. Eid para Münchener Akademie-Schriften 59, München 1972). Ahora ese ensayo será nuevamente publicado en la “Opera omnia” de Ratzinger, cuya edición está cuidando el cardenal Gerhard Ludwig Müller, pero el autor decidió revisarlo por completo y cambiar notablemente la conclusión, pues retira las aperturas expresadas en 1972: no hay que olvidar que cuando era Prefecto del ex-Santo Oficio, de acuerdo con Juan Pablo II, Ratzinger negó la posibilidad de la readmisión que habían propuesto tres obispos alemanes en una carta pastoral (uno de ellos era precisamente el futuro cardenal Walter Kasper). El volumen de las obras completas que contiene la nueva versión de aquel ensayo está por llegar a las librerías alemanas y la revista Herder Korrespondenz publicó un artículo comparando los pasajes principales de ambas versiones.
¿Qué escribió hace 42 años Joseph Ratzinger? He aquí algunos pasajes importantes de aquel texto. «La Iglesia es la Iglesia de la Nueva Alianza, sin embargo vive en un mundo en el que permanece inalterada la “dureza de los corazones” (Mt. 18, 9) de la Antigua Alianza». El futuro Papa consideraba, pues, que «en claras situaciones de emergencia, para evitar lo peor», la Iglesia pudiera «permitir excepciones circunscritas». Una propuesta que no pretendía poner en discusión las palabras de Jesús ni las Sagradas Escrituras, sino vinculada «con el carácter de excepcionalidad como con su reglamentación, y con el de la ayuda en situaciones de urgente necesidad».
«Quisiera tratar de formular, con toda la agudeza del caso –continuaba el teólogo que dentro de poco se habría convertido en el arzobispo de Mónaco de Baviera–, una propuesta que me parece cuadrar» en este ámbito de situaciones de urgente necesidad. «Cuando un primer matrimonio está destruido desde hace tiempo, e irreparablemente para ambas partes; y cuando, por el contrario, un segundo matrimonio se ha revelado una realidad moral y ha sido llenado por el espíritu de la fe, especialmente en relación con la educación de los hijos (por lo que la destrucción de este segundo matrimonio destruiría una grandeza moral y provocaría daños morales), en este caso –mediante una vía extrajudicial– con bse en el testimonio del párroco y de los miembros de la comunidad, se debería permitir el acercamiento a la comunión de quienes viven un segundo matrimonio de este tipo». Esta «reglamentación», según Joseph Ratzinger, estaba «apoyada por la tradición, desde dos puntos de vista».
El primero de ellos se relaciona con los procesos de nulidad matrimonial. «Es necesario recordar con fuerza –escribía Ratzinger– los márgenes de discrecionalidad que son inherentes a cada proceso de nulidad. Este margen de discrecionalidad y la disparidad de posibilidades que, inevitablemente, deriva de los diferentes grados de instrucción y también de las diferentes posibilidades económicas de las personas involucradas, deberían poner en guardia frente a la idea de que se puede hacer justicia inopugnablemente por esta vía». De cualquier manera, más allá de esta consideración, «mucho de lo que no es juzgable es real». «La perspectiva procesual –observaba el teólogo Ratzinger– debe limitarse necesariamente a lo que es demostrable desde el punto de vista jurídico, pero, justamente por ello, es posible que descuide datos que son efectivamente decisivos. De esta manera, adquieren un peso desproporcionado algunos criterios formales (como vicios de forma o en cuanto a la forma eclesiástica, deliberadamente descuidada), que conduce a injusticias». Es por este motivo que Ratzinger concluía que «el proceso de anulación […] no resuelve el problema» y no puede pretender esa severa exclusividad» que se le ha atribuido.
El segundo punto de vista aclaraba mayores detalles el apoyo de la tradición que en 1972 consideraba válido Ratzinger para su propuesta. Hacía notar que un «segundo matrimonio», que mediante un largo periodo hubiera revelado «una grandeza moral», siendo vivido en el espíritu de la fe, «de hecho corresponde al tipo de indulgencia experimentable en Basilio, siempre y cuando tras un largo periodo penitencial de quien vive en segundas nupcias se concede la comunión sin abolir el segundo matrimonio: confiando en la misericordia de Dios, que no desatiende la penitencia».
«Cuando, de un segundo matrimonio, han nacido obligaciones morales para con los hijos, para con la familia y de la misma manera para con la esposa –subrayaba Ratzinger en 1972–, y no subsisten obligaciones del mismo tipo con respecto al primer matrimonio; cuando, pues, por razones de naturaleza moral es inadmisible renunciar al segundo matrimonio y, por otra parte, la continencia en la práctica no representa una posibilidad real (“magnorum est”, dijo Gregorio II), en tal caso el acceso a la comunidad de quienes reciben la comunión, espués de un periodo de prueba, se muestra no menos justo y plenamente en línea con la tradición de la Iglesia».
El teólogo Ratzinger no consideraba, cuando escribió el ensayo, la abstención de los actos sexuales como una «posibilidad real» para todos, observando que el acceso al sacramento no podía «depender de un acto que es inmoral (la ruptura de la segunda unión, con consecuencias para los hijos, ndr.) o imposible en los hechos (abstenerse de los actos propios de los cónyuges, ndr.)».
El futuro Papa, no pretendía poner en discusión la indisolubilidad del matrimonio con esta propuesta: «El matrimonio es “sacramentum”, subsiste en la forma fundamental e inabrogable del compromiso contraído. Sin embargo, esto no excluye que la comunión de la Iglesia abrace también a quienes reconozcan esta doctrina y este principio de vida, aunque se encuentren en una situación de emergencia de tipo particular, en la que tienen particular necesidad de la plena comunión con el Cuerpo del Señor».
En la nueva versión del texto, publicada en el volumen de las obras completas que está por llegar a las librerías de Alemania, esta propuesta escrita en 1972 fue anulada. El autor ya no considera esta vía recorrible, sobre todo considerando el “relativismo” difundido en las sociedades contemporáneas y secularizadas. La única vía indicada (en sintonía con las afirmaciones que hizo durante su Pontificado) es la de proceder con las averiguaciones para las nulidades. «Si la Iglesia considerara un matrimonio nulo por inmadurez psicológica, serían admitidas nuevas nupcias –se lee en el nuevo texto. Incluso sin este procedimiento un divorciado podría ser considerado activo en las comunidades eclesiásticas, y poder ser padrino de Bautismo».
No hay que sorprenderse de que, a 42 años de distancia, un teólogo afirme haber cambiado opinión. Son bien conocidas, por ejemplo, las “retractationes” de San Agustín. Sin ambargo, las páginas escritas a principios de los años setenta parecen muy significativas. Las reflexiones allí plasmadas son interesantes porque, cuando fueron publicadas en forma de ensayo científico, su autor ya no era un joven teólogo seguidor del ala eclesial llamada “progresista”; ya no se trataba del “outsider” que participó en el Concilio como perito del cardenal arzobispo de Colonia, Josef Frings. En 1972, Joseph Ratzinger ya había criticado ciertas tendencias teológicas post-conciliares: había pronunciado, en 9166, su discurso en el Katholikentag de Bamberg, que es considerado como el parteaguas entre el Ratzinger “progre” y el que conocemos hoy.
El teólogo bávaro ya había salido de la turbulenta universidad de Tubinga, en donde había sido colega de Hans Küng, y enseñaba en la mucho más tranquila universidad de Regensburg. Además, a partir del primero de mayo de 1969 entró a formar parte de la Comisión teológica internacional, apenas creada por Pablo VI, según las indicaciones del Sínodo de los obispos, como instrumento para favorecer la investigación teológica según la óptica del magisterio. Cuatro años y medio después de haber publicado el ensayo en cuestión, en marzo de 1977, el mismo Papa Montini eligió justamente a aquel profesor de teología, que representaba un círculo teológico post-conciliar que respetaba el magisterio, para nombrarlo arzobispo de la diócesis de Mónaco. Pocas semanas después llegaría el anuncio de su inclusión en el colegio cardenalicio. Se puede deducir que el estudio sobre la admisión de los divorciados que se han vuelto a casar a la Eucaristía (en ciertas y bien determinadas circunstancias) era un argumento que en esa época se podía seguir discutiendo a la luz de las nuevas condiciones en las que vivía la familia, sin presentar la reflexión como una voluntad de poner en discusión los fundamentos de la fe católica.

Andrea Tornielli

In http://www.lastampa.it/2014/11/20/vaticaninsider/es/vaticano/cuando-ratzinger-acept-la-comunin-a-los-divorciados-que-se-han-vuelto-a-casar-78t8PUkAQWezvIaQFriWoN/pagina.html

PSEUDO-CORREÇÃO AO PAPA, SEGUNDO ROCO BUTTIGLIONE


El filósofo Buttiglione responde y desmonta una por una las siete acusaciones de herejía que han dirigido a Francisco: «Si se sacan consecuencias lógicas de sus afirmaciones, incluso los críticos admiten que en algunos casos los divorciados pueden estar exentos de culpa grave y, por lo tanto, recibir la comunión».
«Juzgan y condenan». Y sobre todo utilizan un «método incorrecto». El filósofo Rocco Buttiglione, profundo conocedor del pensamiento de Juan Pablo II, en esta larga entrevista con Vatican Insider desmenuza (discutiéndolas) todas las acusaciones de herejía que los firmantes de la «correctio filialis» han dirigido al actual Pontífice.

¿Qué piensa sobre la «correctio filialis» enviada al Papa y sobre el grupo de estudiosos que hace afirmaciones tan duras sobre el sucesor de Pedro?

Jesús no escribió un manual de metafísica y mucho menos de teología. Se encomendó a un grupo de hombres y después a uno, Pedro. Les prometió la asistencia del Espíritu Santo. Aquí, un grupo de hombres se erigen en jueces por encima del Papa. No exponen objeciones, no discuten. Juzgan y condenan. ¿Quién les autorizó a constituirse en jueces por encima del Papa?

Después de su publicación, algunos de los que firmaron el documento afirmaron que nunca habían dicho que el Papa fuera un hereje. ¿Se deduce esto al leer el texto?

Leamos el texto: “nos vemos obligados a dirigir una corrección a Su Santidad, a causa de la propagación de herejías ocasionada por la Exhortación apostólica «Amoris laetitia» y por otras palabras, hechos y omisiones de Su Santidad”. Si esta no es una acusación de herejía, yo no sé qué es. Los que firmaron el documento que dicen que nunca afirmaron que el Papa fuera un hereje no leyeron el texto que firmaron.

Antes de entrar detalladamente en las 7 «herejías», me gustaría detenerme sobre el lenguaje utilizado: se hacen afirmaciones («propositiones») dando a entender que el Papa las escribió, dijo o sostuvo: en realidad ninguna de ellas ha sido afirmada por Francisco. ¿Es correcto el método?

No, no es un método correcto. Las proposiciones no resumen correctamente el pensamiento del Papa. Pongamos un ejemplo: en la segunda proposición atribuyen al Papa la afirmación de que los divorciados que se han vuelto a casar y que permanecen en ese estado «con absoluta advertencia y deliberado consenso» están en la gracia de Dios. El Papa dice otra cosa: en algunos casos un divorciado que se ha vuelto a casar y permanece en tal estado sin plena advertencia y deliberado consenso puede estar en la gracia de Dios.

¿Por qué es tan significativo este ejemplo?

Los críticos comienzan sosteniendo que en ningún caso un divorciado que se ha vuelto a casar puede estar en la gracia de Dios. Y luego algunos (yo, por ejemplo) les han recordado que para tener un pecado mortal es necesaria no solo una materia grave (y el adulterio es ciertamente materia grave de pecado), sino también de plena advertencia y deliberado consenso. Ahora parece que se echan para atrás: incluso ellos han comprendido que en algunos casos el divorciado que se ha vuelto a casar puede estar exento de culpa debido a atenuantes subjetivos (la falta de la plena advertencia y del deliberato consenso). ¿Qué hacen para encubrir la retirada? Le atribuyen al Papa la afirmación de que el divorciado que se ha vuelto a casar que permanezca en su situación con plena advertencia y deliberado consenso sigue estando en estado de gracia. Esta falsificación de la postura del Papa, a la que se ven obligados, indica cuán desesperada es su situación desde el punto de vista lógico. Admiten implícitamente que hay algunas situaciones en las que el divorciado que se ha vuelto a casar puede recibir la Comunión, pero toda la revuelta contra «Amoris laetitia» nació de un rechazo visceral frente a esta posibilidad.

La Iglesia, cuando condenaba proposiciones juzgadas heréticas, siempre era muy precisa en establecer qué se hubiera dicho y las intenciones de aquel que lo había dicho. En este caso no ha sido así…

A los correctores les gusta convertirse en un Nuevo Santo Oficio, pero evidentemente no conocen los procedimientos…

Hablando sobre las 7 «herejías» atribuidas al Pontífice, se ve que giran alrededor del punto de la comunión a los divorciados que se han vuelto a casar. ¿Son fundadas en su opinión?

La primera corrección atribuye al Papa la afirmación de que la gracia no es suficiente para permitirle al hombre evitar todos los pecados. El Papa dice, con toda evidencia, muy otra cosa: la cooperación del hombre con la gracia a menudo es insuficiente y parcial. Por ello no logra evitar todos los pecados. La cooperación con la gracia, además, se desarrolla en el tiempo. Cuando el hombre comienza a moverse hacia la salvación lleva consigo una carga de pecados de los que se liberará poco a poco. Por ello una persona que no logra llevar a cabo por completo las obras de la ley puede estar en la gracia de Dios. Es la noción del pecado venial.

De la segunda ya hemos hablado. Vayamos a la tercera…

La tercera corrección atribuye al Papa la afirmación de que se puede conocer el mandamiento de Dios y violarlo y, a pesar de ello, permanecer en la gracia de Dios. También en este punto el Papa dice, con toda evidencia, otra cosa: es posible conocer las palabras del mandamiento y no comprenderlas o reconocerlas en su verdadero significado. El cardenal Newman distinguía entre comprender la noción (he comprendido el sentido verbal de una proposición) y la comprensión real (he comprendido qué significa para mi vida). Algo semejante dice también Santo Tomás, cuando habla del error en buena fe.

La cuarta censura atribuye al Papa la afirmación de que se puede cometer un pecado obedeciendo a la voluntad de Dios.

Probablemente quien haya redactado la censura tenía en mente un pasaje de «Amoris laetitia» en el que el Papa dice que cuando una pareja de divorciados que se han vuelto a casar decide vivir junta como hermano y hermana (es decir actuando según la ley del Señor) se puede dar que acaben teniendo relaciones sexuales con terceras personas y destruyendo el nido que habían creado y en el que sus hijos encontraban el ambiente adecuado para su crecimiento y su madurez humana. El Papa no saca conclusiones de esta afirmación empírica. Pero, si se quieren sacar conclusiones, hay que tener mucha malicia para llegar a la conclusión propuesta por los censores. La conclusión más obvia es: que el confesor recomiende a la pareja interrumpir las relaciones sexuales y que tome seriamente en consideración su temor de no poder hacerlo y pasar de un pecado (el adulterio) a un pecado mayor (el adulterio más la traición de la segunda relación). El confesor debe acompañar a la pareja hasta que su maduración interior les permita dar el paso que pide la ley moral.

La quinta proposición atribuye al Papa la afirmación de que los actos sexuales de los divorciados que se han vuelto a casar entre ellos pueden ser buenos y no ser desagradables ante los ojos de Dios.

Aquí probablemente el aterro tenía en mente un pasaje de «Amoris laetitia» en el que el Papa dice que «esa conciencia puede reconocer no sólo que una situación no responde objetivamente a la propuesta general del Evangelio. También puede reconocer con sinceridad y honestidad aquello que, por ahora, es la respuesta generosa que se puede ofrecer a Dios, y descubrir con cierta seguridad moral que esa es la entrega que Dios mismo está reclamando en medio de la complejidad concreta de los límites, aunque todavía no sea plenamente el ideal objetivo. De todos modos, recordemos que este discernimiento es dinámico y debe permanecer siempre abierto a nuevas etapas de crecimiento y a nuevas decisiones que permitan realizar el ideal de manera más plena». El Papa no dice que Dios está contento porque los divorciados que se han vuelto a casar sigan teniendo relaciones sexuales entre sí. La conciencia reconoce que no está alineada a la ley. Pero la conciencia también sabe que ha comenzado un camino de conversión. Uno va a la cama con una mujer que no es su esposa, pero ha dejado de drogarse y de ir con prostitutas, ha encontrado un trabajo y cuida a sus hijos. Tiene el derecho de pensar que Dios está contento de él, por lo menos en parte (Santo Tomás diría: «secundum quid»). Dios no está contento por los pecados que sigue cometiendo. Está contento por las virtudes que comienza a practicar y, naturalmente, espera que en el futuro dé nuevos pasos hacia adelante.

¿Puede ofrecer otro ejemplo de esta situación?

Imaginemos a un padre que tiene un hijo enfermo y el niño mejora. Todavía tiene fiebre, pero ha dado de vomitar, logra mantener en el estómago lo que come, ha comenzado un tratamiento que parece funcionar. ¿El padre está contento porque su hijo está enfermo? No, está contento porque su hijo tiene síntomas de mejoría y de curación. Pensemos por un momento en la viuda del Evangelio que ofrece al tesoro del Templo dos pequeñas monedas de cobre. Jesús comenta: esta mujer ha dado mucho más que los ricos y potentes, incluso si han derramado toneladas de monedas de oro y plata. Esos dieron lo superfluo, ella dio todo lo que tenía. De la misma manera Dios tal vez se alegre más por un paso incierto hacia el bien de una persona que nació en una familia dividida, que fue bautizado pero nunca verdaderamente evangelizado, que nunca ha tenido frente a sus ojos un ejemplo de amor entre un hombre y una mujer, que ha crecido dentro de la ideología dominante según la cual el sexo es real y el amor no existe, que por el paso de una persona que observa plenamente la ley pero  tuvo buenos padres, buenos ejemplos, buenos maestros, un buen párroco y (tal vez lo más importante de todo) una buena esposa.

Vayamos a la sexta censura, en la que se afirma que el Papa dijo que no existen actos intrínsecamente malos, sino que, según las circunstancias, cada acto humano puede ser bueno o malo.

Aquí se quiere aplanar el pensamiento del Papa sobre la llamada «ética de la situación». Una vez más, «Amoris laetitia» dice otra cosas, absolutamente tradicionales, que hemos estudiado desde niños en el catequismo de la Iglesia católica, no solo en el nuevo de san Juan Pablo II, sino también en el viejo de san Pío X. Para tener un pecado mortal se necesitan tres condiciones: la materia grave (el adulterio siempre es, y sin excepciones, materia grave de pecado), la plena advertencia (debo saber que lo que estoy haciendo está mal) y el deliberado consenso (debo elegir libremente hacer lo que estoy haciendo). Si falta la plena advertencia y el deliberado consenso, un pecado mortal puede pasar de mortal a venial. La acción siempre es equivocada, pero el sujeto que la lleva a cabo no siempre tiene toda la responsabilidad. Es como en el derecho penal: el homicidio es un delito grave. Pero la pena puede ser muy diferente: tú manejas respetando todas las reglas y un borracho se te arroja mientras pasas. Tal vez serás absuelto o te darán una pequeña pena. Tú no respetas las reglas del código, manejas borracho y matas a un pobrecito que estaba pasando por allí. Tendrás una condena severa. Usas el coche como un arma para matar a una persona que odias. Te mereces la cadena perpetua.

La séptima y última «corrección filial» en el documento dice que el Papa es hereje porque se le acusa de querer dar la comunión a los divorciados que «no expresen ninguna contrición, ni el propósito firme de enmendarse de su actual estado de vida».

El Papa quiere acompañar a los divorciados que tienen la contrición por su estado de vida y el firme propósito de enmendarse. No dice que hay que darles la comunión siempre y como sea, sino que hay que acompañarlos en la situación concreta en la que se encuentran y evaluar también su nivel de responsabilidad subjetiva. El punto de llegada del camino es (cuando la reconciliación con el verdadero cónyuge no sea posible) la renuncia a las relaciones sexuales. Pero en el camino hay muchas etapas. Puede haber casos en los que una persona pueda estar en la gracia de Dios debido a atenuantes subjetivos (falta de plena advertencia y deliberado consenso) incluso si continúa a tener relaciones sexuales con la propia pareja. Pensemos en una mujer que quisiera tomar esta decisión de castidad pero el hombre no lo quiere, y si ella se la impusiera él se sentiría traicionado y se iría, destruyendo el vínculo de amor en el que crecen los hijos. ¿Quién negaría las atenuantes subjetivas a una mujer que siguiera teniendo relaciones sexuales con su hombre mientras, por otra parte, persevera en su intento de convencerlo de que se acerque a la castidad? En la disciplina canónica que no admite a los divorciados que se han vuelto a casar en los sacramentos hay que distinguir dos elementos o, si se prefiere, dos diferentes razones. La primera es una razón que deriva de la teología moral. El adulterio es intrínsecamente malo y nunca puede ser justificado. Pero esto no impide que la persona pueda no ser completamente responsable por esa transgresión debido a circunstancias atenuantes subjetivas. Existe una imposibilidad absoluta de dar la comunión a quienes estén en pecado mortal (y esta regla es de derecho Divino y, por lo tanto, inderogable), pero si, debido a la falta de plena advertencia y deliberado consenso, no hay pecado mortal, la comunión se puede dar, desde el punto de vista de la teología moral, incluso a un divorciado que se ha vuelto a casar.
También existe otra prohibición, no moral, sino jurídica. La convivencia extra-matrimonial contradice claramente la ley de Dios y genera escándalo. Para proteger la fe del pueblo y reforzar la conciencia de la indisolubilidad del matrimonio, la legítima autoridad puede decidir no dar la comunión a los divorciados que se han vuelto a casar aunque no estén en pecado mortal. Pero esta regla es de derecho humano y la legítima autoridad puede permitir derogaciones por razones justas.

¿Le parece que los que firmaron la «correctio» tuvieron en cuenta las posibles circunstancias atenuantes?

Si comparamos este último documento con los anteriores, no es difícil ver las huellas de cierto embarazo. Los documentos anteriores ignoraban completamente el problema relativo a las circunstancias atenuantes. Ahora tratan de tomarlo en consideración. Y para hacerlo deben hacer finta de que no comprendieron lo que el Papa dijo verdaderamente. Una consecuencia mucho más importante es que, ahora, si se sacan consecuencias lógicas de sus afirmaciones, incluso los críticos admiten que en algunos casos los divorciados que se han vuelto a casar pueden estar exentos de la culpa grave debido a las atenuantes subjetivas y, por lo tanto, recibir la comunión. Pero este, desde el inicio, es el verdadero objeto de la contienda.

¿El objetivo de las críticas, en su opinión, son solamente algunas afirmaciones del actual Pontífice o el magisterio, más en general, de los últimos Papas y, en el fondo, de la Iglesia post-conciliar?

No conozco a todos los que firmaron la «correctio». Entre los que conozco yo hay algunos lefebvrianos. Estaban en contra del Concilio, en contra de Pablo VI, en contra de Juan Pablo II, contra Benedicto XVI y ahora contra el Papa Francisco. Otros tienen que ver con el movimiento “Tradição, Familia, Propriedade”, que en su momento sostuvo al régimen militar en Brasil. Algunos afirman públicamente que la desviación de la Iglesia comienza con León XIII y la encíclica “Au milieu des sollicitudes”, que habría traicionado la alianza entre el trono y el altar, renunciando al principio del derecho divino de los reyes… Tratan de aislar al Papa Francisco, comparándolo con sus predecesores, pero estos adversarios también son adversarios de sus predecesores. No veo que haya entre los firmantes muchos cardenales (es más, no veo ninguno), no veo muchos obispos (uno solo, de 94 años), no veo muchos profesores ordinarios de teología o de filosofía (pero está Antonio Livi, a quien estimo tanto).

No hay duda de que el documento ha tenido un gran eco en los medios de comunicación…

Veo una campaña de opinión muy bien orquestada para dar la impresión de una «revuelta de los expertos», tan expertos que se pueden permitir dar lecciones al Papa. Claramente no es así. Permítaseme expresar una preocupación. Tengo la impresión de que algunos piensan que la Iglesia existe para defender una Tradición de la precede, que se opone a cualquier cambio histórico y que no es la Tradición cristiana. Los sabios, que son el depósito de esta Tradición increpada y eterna, tienen el derecho de juzgar también a la Iglesia, cuando falte a su tarea de combatir la modernidad. Un pensamiento de este tipo se presentó con fuerza en la “Action Françaiseˮ condenada por Pío XI. Siguiendo un razonamiento de este tipo, René Guenon pasó del catolicismo al islam, convencido de que ofrecía una defensa más eficaz de la Tradición contra la modernidad.

Rocco Buttiglione
Andrea Tornielli

In http://www.lastampa.it/2017/10/04/vaticaninsider/es/reportajes-y-entrevistas/la-correctio-el-mtodo-no-es-correcto-no-discuten-condenan-rf4pmPbilcQYSDgTSDr9AI/pagina.html